O assunto “revolução” mereceu e merece plena atenção dos intelectuais, visto que é inerente à realidade de qualquer sociedade onde existam diferenças de classes. Atualmente, a ideia de que a História chegou ao seu fim (Francis Fukuyama) encontra espaço entre a pós-verdade. No entanto, ainda nos perguntamos: a revolução está na ordem do dia? Devemos nos interessar nos assim chamados Estados proletários? A gama de revoluções realizadas (algumas fracassadas, poucas levadas até o fim) no século XX apenas demonstrou que ainda há força e vontade para tanto. Neste texto, falaremos um pouco sobre um recorte que pode ser mais desenvolvido futuramente, e que pode interessar a alguns de nós – a revolução chinesa.
No ano de 1949, a China, o maior país da Ásia Oriental, realizou uma revolução socialista. As massas deste país, organizadas em soviets urbanos e rurais, pressionaram as estruturas de poder extremamente atrasadas daquele país, para concretizar uma série de mudanças radicais no âmbito social, econômico e político. Hoje em dia, a China é considerada por muitos como uma das maiores potências econômicas.
No entanto, existem muitos estudos contraditórios sobre a atualmente chamada República Popular da China. Desde o ponto de vista do poder, muitos enxergam esse país de forma negativa, sem, no entanto, encontrar nenhuma justificativa, visto que não se trata de um país totalitário. Mesmo assim, foi sob o governo governo dos soviets que tivemos recentemente, entre os anos de 2020 e 2021, uma China líder de vacinação. A China, apesar de superpopulosa, conseguiu organizar um plano de contingenciamento exemplar contra a Covid-19. O sucesso na luta contra o Corona Vírus na China é o reflexo da grande potência que este país é — entenda-se por “grande potência” um Estado que consegue lidar com as necessidades do povo como poucos.
A China foi escrava da pobreza por muitos, muitos anos. Esse ciclo de exploração interno e externo teve uma chance de ser superado com a revolução que aconteceu entre os anos 1925-1927. No entanto, não seria desta vez que o povo chinês e suas lideranças conseguiriam reunir todas as condições necessárias para a concretização de uma revolução. O Comintern (Internacional Comunista) fez de tudo para liderar uma revolução democrática armada – mas o que aconteceu fatalmente foi uma dispersão dos soviets entre o exército nacionalista de Chiang Kai-shek, enquanto o que deveria haver era uma unidade para a derrubada do império – ocorre então a morte de muitos militantes por meio da força violenta daquele exército. Durante algum tempo, esta derrota não foi superada, no entanto, em 1949 surge uma nova revolução, sobre a qual iremos falar.
Mas antes vamos a alguns dados históricos sobre a China do século XIX, cujas costas eram dominadas pelos ingleses, e não apenas ingleses, mas, logo, também por outras potências europeias. A partir da segunda metade do século XIX, os tai-pings se mobilizam para formar um “governo alternativo”. Embora os tai-pings tenham contribuído para o enfraquecimento da autoridade imperial, o próprio movimento também perde força. Assim surge o Yang-Wu, que decide conduzir os negócios ao modo oriental. Mas essas ideias “modernizantes” são sufocadas pelas guerras (contra a França 1884/5 e o Japão 1894/5).
A China começa a entrar no universo da modernidade apenas a finais do século XIX, quando estratos comerciais, rurais e burocráticos começam a realizar investimentos no setor industrial. Esses grandes proprietários nacionais mais tarde darão origem ao projeto político do Kuomitang (Partido Nacionalista Chinês), o qual será responsável pelos massacres de campesinos e operários em 1927.
A China, antes da revolução social, era semifeudal. O trabalho servil podia beirar à escravidão, visto que o camponês não recebia pelo dia de trabalho no sentido ordinário, mas sim pelo dia de trabalho necessário para fabricação de um produto médio diário, e assim suas horas eram “mordiscadas”, pois em quase 100% das vezes o produto médio diário exigia bem mais horas para ser fabricado do que se vinha a convir. Além disso, o trabalho servil não é problemático somente para o trabalhador, mas também obstaculiza o desenvolvimento do capitalismo, visto que é difícil manter um registro capitalista de uma propriedade feudal, ainda mais de um país inteiro onde ainda restam muitos vestígios de servidão.
Com o surgimento do imperialismo, em finais do século XIX, começam a surgir grandes contradições, em grande parte devido aos novos conflitos de classe surgidos com o começo da industrialização. Não apenas a religião (confucionismo), mas a própria penetração das mercadorias ocidentais levou à lenta desagregação da economia natural ao mesmo tempo em que arruinou o artesanato urbano e rural. Os principais parques fabris localizavam-se nas zonas portuárias centrais de Hong-Kong, Cantão, Hangchow, Shangai, etc., e isso era outro elemento de crise, visto que a economia portuária ficava à mercê dos invasores europeus.
Com a derrota de 1927, Mao Tsé-Tung assume a liderança do PCCh. Ele diz: “quem tenha arraigadas concepções revolucionárias e vá alguma vez ao campo e veja o que ali sucede, seguramente se encontrará mais alegre do que nunca. Milhões de escravos (…) os camponeses estão derrubando seus inimigos, os devoradores do homem (…) Todos os revolucionários devem compreender que a revolução nacional exige uma grande transformação no campo.” Embora Mao não esteja errado com relação à necessidade de transformar o campo, o mesmo leva os operários à noção de que a revolução deveria ser liderada em primeiro lugar pelos camponeses. O maoísmo supostamente seria uma inovação na noção sobre a revolução nas colônias, semicolônias e etc. A criação de soviets no campo, ignorando a necessidade de espalhar os soviets também nas cidades, é o que separa Mao do marxianismo. Podemos observar, a modo de exemplo, a experiência russa, onde os bolcheviques deixaram claro pros camponeses que o protagonismo seria dos operários.
Após a revolução russa de 1917, os chineses influenciados pela mesma lutaram pelos soviets, inclusive realizando um intento de revolução em 1925-1927. A derrota desta revolução fez com que os operários, uma vez desarmados, perdessem seus soviets. Mao acha que os soviets devem fortalecer-se nas aldeias, afastando-os das cidades, o que é, na concepção leninista, um grande equívoco, pois a experiência dos soviets russos ensinou pela prática que os camponeses só podem sair vitoriosos caso unidos à classe operária na insurreição. Além disso, Mao defendia que a economia agrícola não deve ser unificada pelo capitalismo. Mao Tsé-Tung parece ignorar a necessidade de se chegar ao capitalismo nas cidades, demonstrando que suas dimensões políticas não possuíam uma real consciência de classe.
A Longa Marcha, realizada entre 1934-36, foi o resultado da política equívoca, visto que tenta convencer os guerrilheiros a percorrer as províncias interioranas, no lugar de realizar a atividade revolucionária nas cidades. Diz-se que sem o exército, os camponeses não conseguiriam reerguer-se à luta armada. No entanto, o resultado do afastamento dos comunistas das cidades, fez com que mais tarde o próprio Exército de Mao acabasse se reunindo com os nacionalistas mais uma vez contra a invasão japonesa – uma guerra que poderia ser evitada com os soviets nas cidades. Nota-se que a defesa da “revolução agrária”, chamada de tal forma pelo PCCh, é um programa que acaba não ido além da vontade do campesinato. A única forma de poder político anticapitalista e revolucionário seria incorporar os operários. Nesse sentido, acredita-se que seria possível evitar a guerra sino-japonesa que viria a seguir. A própria atitude de mandar os operários e camponeses para a guerra (uma das mais longas guerras da História Contemporânea, passadas entre 1937-1945) nada mais é do que resultado de uma atitude de conciliação, que foi executada em vez de levantar a bandeira da Paz.
Apesar de tudo, querendo ou não, Mao Tsé-Tung, apresentando todas as características de falta de atitude de liderança, viu-se em um caminho que certamente nem ele quis trilhar, e acabou realizando uma revolução. A rigor, e de acordo com o marxianismo, apenas a classe operária pode liderar uma revolução socialista. No entanto, não se deve fazer pouco valor da revolução chinesa, por mais que tenha sida liderada por Mao, pois, devido à imensa pressão, acabou realizando-a. A revolução chinesa foi um momento importantíssimo na História Contemporânea, visto que reuniu operários e camponeses em combustão contra o velho mundo – ainda que sem uma direção política verdadeiramente socialista.
Em uma revolução socialista costuma ocorrer o oposto do que ocorreu no surgimento do Estado Ateniense (um dos primeiros a aparecer), onde a autoridade do povo é substituída pelo exército ligado aos exploradores. Na China, o exército representa o povo, que é a autoridade real. Temos em conta que regime de trabalho e a distribuição mudam muito em um Estado-Comuna. A China se apoia na predominância de consciência de classe das massas, principalmente nas esferas de poder e, portanto, criando vínculos superficiais entre cidadãos, acabando por levar a um desenvolvimento que conduz ao que Lênin chamava de capitalismo de Estado e o socialismo, onde a democratização das trocas acaba ocorrendo de acordo com as necessidades de distribuição de renda e socialização dos modos de produção. Outrossim, o desenvolvimento, na medida que realiza uma economia planificada (esta o centro da economia chinesa, e a chave de sua vitória), foge das leis de exploração do mercado financeiro e desenvolve uma economia muito mais proveitosa para o bem comum. Não existe a associação livre comunista na China ainda. A associação livre pode ser alcançada na medida em que quanto mais justa a troca, menos a necessidade de supervisão para que ela venha a existir. Mas algo mais próximo disso, e cada vez menos capitalista, faz parte do dia a dia do povo chinês.
A colaboração entre campo e cidade existe desde as primeiras formações sociais, tendo de um lado os agricultores e de outro os artesãos. Países como a China precisam potencializar ambos os tipos de produção e auxiliá-los, dada esta combinação, a formar uma economia proveitosa, livre do capital financeiro. Na Revolução Francesa, os jacobinos e girondinos disputavam entre si pelas dimensões cosmopolitas que representavam. Disputavam as possibilidades da palavra “revolução” para a sua época. O jacobinismo, em muitos aspectos, se assemelha aos bolcheviques (1917) no que concerne ao seu caráter progressivo, porém de outra época. Dizem que o maoísmo foi a tradução do marxismo para as condições semi-coloniais ou que a revolução maoísta teria superado a bolchevique porque a primeira não havia sofrido nenhuma invasão após a tomada do poder, ao contrário dos bolcheviques, que foram agredidos após a revolução de 1917. No entanto, nada pode justificar os oito anos de guerra que ocorreram antes da revolução, quando Mao Tsé-Tung e o Partido Comunista Chinês não propuseram realmente uma revolução que trouxesse (nos termos dos bolcheviques) “Paz, Pão e Terra”.
A necessidade do capitalismo de Estado mesmo após a realização da revolução socialista se deve a que o próprio socialismo é uma expressão da transformação de um regime em outro. Ou seja, o socialismo surge das características estruturais do próprio capitalismo. A moeda, historicamente concebida assim, serve para regular as trocas. No capitalismo a moeda ainda é necessária para se obter coisas. No Estado-Comuna o socialismo já existe. No entanto, o comunismo, com a extinção do Estado e total ausência de moeda, encontra-se em processo de realização. Portanto, defendemos que o capitalismo dee Estado não é um fim em si, não guia todas as coisas; o que nos guia é o comunismo. No caso chinês, esse processo de transição socialista vem sendo impulsionado pelos soviets e pelo PCCh, de modo que podemos considerar que Fukuyama estava errado ao ditar o “fim da História”, pois o socialismo é o nosso futuro.
FRENTE ÚNICA BRASIL
sexta-feira, 19 de maio de 2023
A CHINA E SEU ESTADO
A IMPORTÂNCIA DE UM DEBATE DIGNO: QUESTIONAMENTOS À CONSTRUÇÃO PELA BASE
A Construção pela Base não aprende com a história, pois sua alusão ao conceito neoliberal como sendo a definição do PT, algo que devemos desmistificar centenas de vezes, continua existindo erroneamente nas suas posições. Neoliberalismo é isto: a diminuição do poder estatal e o aumento do poderio destrutivo do capital. Sabemos muito bem que desde muito tempo o Estado tem entrado em fusão com os modos de produção, ocasionando um maior processo de concentração de capital. O neoliberalismo é nada mais do que a desaparição do controle estatal neste processo de imensa fusão. Nós pensamos assim: ou somos socialistas ou somos capitalistas; no entanto, a Construção pela Base quer ainda enganar os trabalhadores dizendo que, por não termos passado para o modo de produção socialista, o PT seria neoliberal, capitalista.
A Construção pela Base pretende que entendamos a seguinte contradição: fala de socialismo, mas critica a modernização da sociedade atual. Isso não faz sentido. Além disso, a China ainda é muito mais modernizada que o Brasil - sendo socialista e revolucionária há 73 anos.
O seguimento a esta análise é entediante, mas exige a nossa atenção. Fala-se que o PT pretende "restaurar a velha ordem 'democrático-burguesa’”, mas não entendemos a que ponto o texto quer chegar, pois o que vivemos atualmente não é mais a velha ordem, senão um processo de transformação através das reformas de base em direção a um futuro melhor. Em seguida, ainda fala de "leitura limitada do golpe", a qual seria feita pela "esquerda" (entre aspas, como se vê no texto deste grupo), enquanto que outros setores, na época do golpe institucional, nem sequer falavam disto, dizendo simplesmente que não o havia.
Um outro ponto de vista, ainda mais incorreto, é de que o impeachment que ocorreu no ano de 2016 não foi uma violação dos direitos democrático-burgueses. Afirma-se que este impeachment seria um golpe, mas como isto pode ser assim se não há a violação da democracia. Para se entender isso, explicaremos. Democracia burguesa é um sistema político que permite a decisão da classe minoritária (os exploradores) sobre a classe majoritária (os explorados). Agora, fascismo, golpe, etc., é algo muito diferente, sendo sempre assim a completa ignorância dos direitos básicos dos trabalhadores. O pós-neoliberalismo deixa o proletariado se reorganizar com mais direitos em direção à morte do capitalismo e à conquista do poder socialista. Fascismo é o ataque sobre os direitos democráticos das massas. Partidos que reflitam os interesses da burguesia, como diversos que concorrem às eleições, não são a massa. As eleições são mais um direito democrático das massas, mas a eleição de representante da burguesia para vereador, deputado ou senador é algo passível de disputa, e por mais que um presidente sempre tenha o papel de manter o Estado em questão, o PT se compromete com manter a ordem das coisas em metamorfose, criando uma contradição dialética contra o capital, gerando consciência de classe - esta é a definição de pós-neoliberalismo. Como sabemos bem, um Estado do capital vai sustentar a exploração, e deve ser derrubado, portanto, não existe função proletária para um chefe de Estado dentro do capitalismo a não ser sob o pós-neoliberalismo. Este é um discurso que quer acabar com o domínio dos exploradores; e não só um discurso, mas também uma prática.
O impeachment não ocorreu em um processo eleitoral. Existe uma deturpação enorme nas regras da democracia e do sufrágio universal, na disposição de quem vai governar, o que nos interessa em absoluto, já que não se pode ganhar a revolução sem a democracia.
Continuando a elaborar a necessária crítica, a Construção pela Base fala de "luta contra o golpe"; mas como, se não defende o PT e o considera neoliberal? Para todos nós, o papel da esquerda é acabar com todos os preconceitos políticos e todas as condições materiais que impedem a completa emancipação do proletariado. O que a Construção pela Base realiza é justamente o contrário disto, reage contra a revolução criando uma barreira entre a nossa luta pela transformação social..
É importante deixar claro para todos que a frente popular (o PT) deve ser defendido sistematicamente e teoricamente para que o proletariado vença o fascismo. A demagogia não consiste em defender a frente popular, senão em fazer parecer ao povo que a direita é melhor - por diversas razões derivadas do esquecimento de nossa história, da luta de classes.
A tendência sindical Construção pela Base diz ainda que não se deve ficar refém de uma suposta "dicotomia", como se dissesse que o PT e a direita são a mesma coisa. Como Marx diria, as classes sociais se enfrentam, e se opõem historicamente, burgueses e proletários, não restando opção à classe dos pequenos produtores a não ser escolher uma destas duas classes principais para aliar-se no final. Mas na lógica do capital, a modernização das cidades leva os pequenos produtores a perderem muito do espaço que têm. Por mais que a modernização seja necessária para o planeta, aos pequenos proprietários ficam empobrecidos com o capitalismo. A demagogia consiste em não tirar os produtores rurais, por exemplo, da contradição de não ter terra para cultivar. O PT defende os oprimidos: portanto, a dicotomia é real.
A modo de conclusão. A Construção pela Base - que nada constrói - não diz nada de novo, pra variar, sobre as instituições democrático-burguesas. O fato de as mesmas estarem totalmente voltadas para o retrocesso, no sentido literal do termo, não faz com que as liberdades democráticas republicanas sejam negativas. Pelo contrário! Devemos defendê-las de todas as formas cabíveis. É claro que não devemos defender o capitalismo ou a democracia burguesa. Nisso podemos estar de acordo. Mas não com eles, que confundem as duas coisas - democracia burguesa e liberdades democráticas. Defender a democracia burguesa é um erro em todos os aspectos. Se alguém disse isso um dia, estava redondamente equivocado, não há lugar na teoria revolucionária para isso. Mas as liberdades democráticas que existem na democracia burguesa são importantes durante o processo de revolução. É completamente utópico acreditar na citação que a Construção pela Base defendeu em seu texto, que retirou de Le Monde Diplomatique - "o foco do poder não está na política, mas na economia”. Mudar a economia só é possível com uma mudança no caráter do poder (por mais que a economia influa na existência política cotidiana). O contrário é reformismo.
Eles ainda dizem que deve-se evitar "uma nova correlação de forças onde a direita continuará exercendo o poder político e econômico". Pois, para que existe a necessidade de se falar em poder político e econômico se a própria Construção pela Base já falou que o poder foca-se na economia? Nós não entendemos este ponto, e certamente não existe explicação, já que a intenção dos líderes da Construção pela Base é iludir.
quarta-feira, 17 de maio de 2023
terça-feira, 16 de maio de 2023
A REFORMA AGRÁRIA É IMPORTANTE PARA O POVO
Sabemos muito bem que o governo atual (de esquerda) agora está mais disposto a realizar todas as reformas fundamentais de que o Brasil necessita. Vai implantar a jornada máxima de 8 horas, vai continuar realizando a reforma agrária, inclusive repondo a inflação. Nós defendemos um movimento muito amplo que pressione os governos municipais e estaduais para a realizar estas e outras reformas sem as quais o país jamais será melhorado. A reforma mais importante, justamente a reforma agrária popular a qual defende o Movimento Sem Terra, não é uma pauta apenas desta organização, mas de todo o povo. Tal reforma instigará uma completa transformação econômica, gerando trabalho, comida barata de qualidade, alimentando a indústria nacional – tendo em vista que novos polos industriais poderão ser construídos em torno das novas zonas rurais repovoadas – e gerando uma poderosa força contra a destruição de todo do capital financeiro. Para que a reforma agrária popular seja possível, deve-se então organizar toda a população em torno de um movimento de caráter inteiramente contestatário contra o sistema capitalista, com manifestações organizadas pelos sindicatos e greves dos setores mais importantes da economia, como educação, indústria de base e comércio. Manifestações serão necessariamente de caráter progressivo – o povo deve ter muito presente que lutar apenas por salários não adiantará! Podemos ter inúmeras pautas, sempre falando de reforma agrária nas manifestações, já que esta é uma pauta importante para todo o proletariado e os camponeses. Mas o mais importante é que a reforma de base que se impulsione sem medo por uma irresistível onda revolucionária estejam organizadas em torno de pautas que contestem o poder do latifúndio e do capital financeiro. Este sempre opõe aos interesses do povo os interesses dos grandes proprietários, os quais determinam todas as condições da produção nacional. As cooperativas agrárias se encarregarão de fornecer às famílias condições de obter da terra os frutos necessários para sua subsistência, mas também (sem faltar) todo o alimento necessário para abastecer todas as cidades.
O Estado feito pelos grandes proprietários vai impor a todos os produtores as condições cada vez mais difíceis de crescimento, diminuindo o preço de todas as coisas, uma vez que, com toda a automatização, as mercadorias serão produzidas mais rapidamente ficando mais difícil obter em troca das mesmas o dinheiro necessário para repor ao capital constante e ao capital variável suas necessidades fundamentais. No final das contas, o que realmente acontece é que todo o dinheiro que deixa de ir para a pequena e média produção acaba sobrando para o lado do monopólio. Isto não é bom para o povo. O que acontece é um grande desequilíbrio no mercado, onde os pequenos e médios produtores mantém seu nicho em troca da deflação e desvalorização de suas próprias mercadorias, mas como o dinheiro que não vem para eles acaba indo para os grandes proprietários monopolistas; os mesmos acumulam mais capital e realocam sua produção de forma a que o povo fique desabastecido, gerando um movimento inflacionário que seria ainda maior do que o do período de 2018 e 2021 caso Lula não tivesse baixado o preço das coisas.
Os soviets, campos de construção mútua de ideias entre os proletários, pequenos proprietários urbanos e camponeses devem tornar-se uma realidade. Os soviets podem ser definidos por serem campos que se propõem a conquistar o poder. Na Rússia, começando em 1905, os soviets foram inaugurados a partir de uma greve geral. Precisamos imitar e aperfeiçoar esta experiência: os soviets devem surgir como principal objetivo para que defendam o direito de reunião dos trabalhadores.
Os soviets são organismos majoritariamente proletários. Nestes, todos os presentes podem falar e votar. É natural que todos tenham este direito, pois queremos construir uma sociedade justa e igual. No entanto, ainda assim precisamos alertar o povo revolucionário de que a própria caracterização política dos soviets é principalmente operária, isso sempre. Podemos definir os soviets como reuniões amplas e regulares onde o assunto principal é o modo de vida operário e a política relativa a essa classe. Portanto, devemos ensaiar desde já uma organização de classe onde os pequenos proprietários possam entender a importância protagonista da classe assalariada. Os pequenos proprietários tem uma importância fundamental na greve geral, em manifestações e em tudo o que for de caráter político na luta de classes contra o latifúndio e o capital monopolista. Mesmo assim deve reconhecer que somente seguindo à risca a classe proletária pode-se chegar a algum lugar. Negar este princípio da luta de classes é também negar qualquer possibilidade de mudança real na própria situação da sociedade e da transformação dos pobres em classe média! O único caminho seguro é o caminho da construção de uma alternativa de poder: os soviets. Na Rússia, os mesmos foram usados por muitos anos antes mesmo de se tornarem em definitivo os campos das massas no poder. Os soviets podem e devem se espalhar mundo afora, ajudando as massas trabalhadoras a se organizarem não só nacionalmente, mas também a nível internacional.
Por fim, é nosso dever usar de todos os meios para levar as massas populares à compreensão da necessidade de se lutar pela manutenção do governo de esquerda. Mas para isso não podemos ignorar a necessidade de organizar a classe em torno das pautas mais imediatas da classe trabalhadora: jornada máxima de oito horas, inspeção operária nas fábricas, reposição da inflação, reforma agrária popular etc. Palavras de ordem como essas devem ser o eixo de nossos próximos movimentos. O Passe Livre Estudantil também deverá ser fundamental. Essa conquista será importante para facilitar o acesso de todos os estudantes das classes menos abastadas às escolas e faculdades, aumentando o nível cultural do nosso país, e assim gerando mais consciência das necessidades políticas do mesmo – auxiliando na importante tarefa de livrar o país do mal do capitalismo. Não se pode, não apenas nas eleições mas também em qualquer momento, dar um voto sequer de confiança às promessas demagógicas da direita, pois eles querem o fascismo. Nossa tarefa agora é criar nossas próprias alternativas de poder.
quinta-feira, 11 de maio de 2023
ASSEMBLEIA NACIONAL
A Assembleia Nacional não é, de maneira alguma, reformismo; por reformismo entendemos os partidos e grupos que imitam as movimentações das massas, chamando para lutar por coisas que os trabalhadores já sabem fazer sozinhos. Ao educar as massas, é preciso mostrar-lhe coisas que ainda não tenha visto, novidades. O reformismo não é apenas uma forma das direções absterem-se, deixando os trabalhadores de base à sua própria conta, mas também coage os movimentos progressistas que surgem das massas laboriosas. Quando carentes de direção, as massas não conseguem encontrar seu rumo, pois a atividade do reformismo é de repetir sempre o mesmo falatório da luta por salários, enquanto os trabalhadores não conseguem escutar-se mutuamente e escolher as melhores ideias para a construção do movimento político. Reformistas (ou economicistas, como também são chamados) têm por hábito querer evitar todas as lutas políticas e apenas levantar pautas econômicas. Sabemos que as lutas econômicas não sobrevivem sem avanços na luta política. O capitalista aproveita a imobilidade do movimento economicista e, na primeira oportunidade, ataca os trabalhadores com muita força. A luta econômica é aquela que nos é inerente, aquela que podemos entender sem adentrar na ciência política, pois nos é explicada sempre que o trabalhador vende a força de trabalho e recebe o salário. Os capitalistas não cedem se não por força da luta política (o fortalecimento do duplo poder), e os reformistas (economicistas) afirmam que a luta política já está bastante afirmada.
Voltando à questão da Assembleia Nacional, esta é já por si só um passo gigantesco na luta política, trata-se de repensar todo o sistema, como dito acima, das leis, regulamentos, códigos e etc. de cada um dos estados da União, bem como a Constituição.
Assembleia Nacional é uma palavra de ordem de força unificadora sem igual, que se apoiará no poder das massas, mas, deve-se dizer, fará tremer até o mais poderoso membro da classe dos grandes proprietários ou burocratas do Estado, porque com a Assembleia, todo tipo de leis podem mudar. Será difícil olhar para o Brasil e vê-lo como a mesma pátria que era antes após a Assembleia. Todo aquele que diz que o Brasil precisa de uma mudança radical e conseguem colocar de maneira entedível suas opiniões poderão expressar, escolher seus representantes e discutir. Essa causa é unificadora, uma forma de dirigir o país nas condições atuais com nossas próprias mãos.
Todos os exploradores do mercado financeiro internacional lutam para se interporem entre nosso movimento e o dos grandes proprietários. A luta de classes, para estes, não acontece por razões econômicas senão políticas. São conscientes da decadência do sistema capitalista, porém não ofertarão nada sem a luta do proletariado. É necessário que se prepare um programa de palavras de ordem mínimas o mais abrangente possível para incluir na luta pela Assembleia. As cotas são um belo exemplo, entre outros.
A Assembleia Constituinte é um exemplo de que precisamos lutar mais! Não devemos temer os problemas estruturais, senão reconstruir o país e destruir todas as mazelas do capitalismo.
quinta-feira, 4 de maio de 2023
A FALÊNCIA DA II INTERNACIONAL COMUNISTA
As questões das lutas de classe internacionais são tão importantes academicamente quanto para a sociedade, mas certamente a preponderância maior se encontra no âmbito das lutas sociais nos sindicatos e outras organizações populares – os soviets. Por mais que tenha um teor logicamente acadêmico, todo o discurso pode se tornar inócuo se fica restrito ao âmbito da academia. Os marxistas acadêmicos correm sérios riscos de falhar miseravelmente se não dão mais atenção à dialética materialista e suas implicações concretas nos movimentos de massas. As questões de que trata o marxianismo ao longo de seu desenvolvimento ultrapassam a realidade das faculdades e bibliotecas.
É verdade que o marxianismo mesmo tem origem na intelectualidade dos grandes proprietários do século XIX, ou seja, entre aqueles privilegiados economicamente para poder encontrar respostas entre os livros e análises econômicas. Mas o grande papel de Karl Marx em sua época foi justamente o sério empenho e dedicação que pôs em traduzir para a classe operária de maneira clara as questões econômicas e políticas que rodeavam a sua época. N'O Capital analisa de forma extremamente minuciosa e cuidadosa (sem falar que de forma didática) os mecanismos de produção dos meios de subsistência da sociedade moderna numa época em que os grandes proprietários perde de todo a sua pretensa neutralidade principalmente no que se trata das análises econômicas. Marx desvenda os motivos das variantes mercantis e começa a sugerir conclusões cada vez mais radicais, que implicariam numa óbvia revolução social e o estabelecimento inevitável de um outro modo produtivo qualitativamente superior ao capitalismo: a planificação econômica e a apropriação do capital da classe dos grandes proprietários.
É preciso ter em mente que no momento em que Marx e Engels, em conjunto, elaboravam seus estudos profundos sobre o sistema social moderno, o capitalismo encontrava um quadro social extremamente contraditório, principalmente com relação à classe trabalhadora. Os movimentos sociais não eram independentes pois não possuíam uma demarcação ideológica e tampouco um projeto político revolucionário.
O grande herói da Revolução Russa, que mais tarde veio a fundar a III Internacional, Lênin lembrava que as ideias jamais caíam do céu. Na verdade, brotavam do chão, e o único solo fértil, por assim dizer, nos primórdios, era entre a inteligentzia dos grandes proprietários, como já foi dito - ou seja, em situações excepcionais que trazem a inteligentzia dos grandes proprietários até a estrutura das amplas massas. No entanto, o sistema capitalista cria as suas próprias condições de destruição e de várias maneiras. De certa forma, pode-se dizer que quanto mais desenvolvidas estas contradições, tanto mais dura fique a vida da classe trabalhadora, maior será o ímpeto revolucionário potencialmente explosivo das massas. Miséria gera revolta.
A razão deste artigo é evidenciar a importância de uma das polêmicas centrais no interior das correntes ditas revolucionárias, que é a importância de um programa revolucionário defendido por um partido internacional comprometido com a emancipação dos trabalhadores. Nosso recorte é bastante específico, trata da falência da II Internacional Comunista e o embate entre reformistas e revolucionários.
Premissas do marxianismo
Parece-nos pertinente, por motivações ideológicas, apoiados numa perspectiva marxianista da História, abordar as premissas fundamentais do marxianismo para que se conheça parte da vida do movimento operário, em uma época em que as lutas de classes tomaram um caráter definitivo para os rumos da sociedade europeia. Trazer este tema para o âmbito social tem grande relevância para uma compreensão parcial da dinâmica política da classe proletária.
A falência da II Internacional está totalmente relacionada com a derrota do proletariado europeu, em países como Alemanha, França, Inglaterra, Áustria e Espanha. A Social-democracia, em 1912, sob liderança de Eduardo Bernstein, era maioria no Parlamento alemão contando com cerca de 110 deputados que representavam 35% do eleitorado, controlando, também, sindicatos, cooperativas, organizações esportivas e culturais. Em contrapartida, Bernstein caracterizava sua política por um programa revisionista.
A Social-democracia alemã foi fundada por Friedrich Engels em 1875, e, logo depois, tornouse o maior partido da II Internacional, originalmente provida de caráter revolucionário. Após a morte de Engels, o SPD (Partido Social-democrata) abriu as portas às políticas reformistas com Bernstein na liderança, chegando a defender que “devia deixar de ser o partido da revolução social, tornando-se o partido da reforma social”. Isto é, o SPD não mais se encontrava de frente com o socialismo.
Dessa forma, é importante traduzir os acontecimentos que levaram à falência da II Internacional para que os trabalhadores do séc. XXI tomem conhecimento das contradições entre dois programas inconciliáveis para a época: reforma e revolução.
A ala oportunista da social-democracia triunfou historicamente e este triunfo é datado nos meados de 1914. Com a 1ª Guerra Mundial (também chamada de 1ª Guerra Imperialista pelos comunistas) transformando o globo em uma fogueira, metamorfoses políticas definitivas aconteceram no interior da II Internacional. Os partidos sociais-democratas em geral e na Alemanha em particular começaram a ceder corpo ao que se conhece como “ecletismo político”. Isso quer dizer que a demarcação teórica do movimento operário afrouxou no âmbito do marxianismo, que tem uma tradição dentro dos seus princípios. A defesa da teoria revolucionária transformou-se, a partir do economicista Eduardo Bernstein, em “dogmatismo” e qualquer tipo de rigor no sentido teórico-prático tomou uma conotação de “ortodoxia” para o proletariado ideologicamente dirigido pela II Internacional. Tanto o oportunismo venceu, que hoje em dia encontramos por todo lado referências teóricas enganosas afirmando que a II Internacional nunca defendeu a revolução socialista.
Para se subtrair à história um conteúdo combativo completamente independente é preciso sair da órbita do revisionismo teórico, o que só se alcança através de um processo dificultoso de achamento dos clássicos do marxianismo, como os próprios Marx e Engels, por exemplo.
Este último foi o responsável pela fundação da social-democracia alemã, um partido que obteve um caráter de vanguarda, mas nunca, até a derradeira reviravolta das concepções economicistas alheias à consciência de vanguarda, abandonou o campo da propaganda política vigorosa sobre os trabalhadores em geral. Um dos cânceres da social-democracia herdados do início do século passado é a recusa incondicional de levar um debate ao campo do proletariado. Para aqueles que utilizam-se do revisionismo teórico, nada menos oportuno do que transformar o marxianismo em material de uso próprio da classe trabalhadora. Constitui-se uma espécie de burocracia em torno das ideias e estas se tornam propriedade particular da intelectualidade (exatamente o contrário do que acontece com o surgimento da teoria revolucionária). Se ultrapassarmos estes limites e irmos atrás de leituras como Vladimir Lênin, Rosa Luxemburgo e Georgi Dimitrov, descobriremos que quanto mais evolui, o marxianismo torna-se cada vez mais palpável para as amplas massas. As transformações de toda espécie no espaço concreto de atuação do movimento operário são compatíveis com o socialismo real, uma vez que este é flexível. O “marxianismo” submetido ao revisionismo submete a teoria a uma reflexão inócua e que vai em desencontro com as necessidades práticas. Serve apenas aos interesses de uma burocracia partidária ou sindical preocupada com a conciliação de classes e consequentes benefícios pessoais.
Rosa Luxemburgo escreveu e publicou em 1900 um livro teórico de imensa importância para a vanguarda internacional. Filiada ao Partido Social-Democrata Alemão, Luxemburgo subverteu-se à imposição da infâmia reformista que começava a desagregar o partido ideologicamente. Contra a política de Eduardo Bernstein até as últimas consequências, copilou uma série de posicionamentos de vanguarda em sua brochura “Reforma ou Revolução?”. Seus argumentos centrais assentavam-se sobre a herança das principais obras de Karl Marx, como o próprio “O Capital”. Através deste, erguia a bandeira da transformação radical da sociedade através de uma revolução enquanto Bernstein hasteava em oposição uma coleção de ideias pré-históricas de "evolução gradual e lenta" rumo a um Estado de bem-estar social capitalista. Diferente das reformas de base de hoje que são direcionadas para o sentido da revolução e da liberação humana. E Bernstein dizia com todas as letras que “o desenvolvimento capitalista não conduz à sua própria ruína”, sendo, por isso, capaz de superar-se e reinventar-se a cada vez – com cada vez mais argumentos contrários ao socialismo. Coroava a sua tese com o postulado de que o socialismo podia ser alcançado sem que se travasse uma luta objetiva por ele. Noutros termos, propunha uma luta mínima nos limites territoriais do sistema capitalista – que se transformaria naturalmente em socialismo – enquanto Rosa propunha o esclarecimento dos trabalhadores sobre as questões do poder revolucionário e sobre o parasitismo do sistema. Tomando em conta que nesta época o capitalismo entrava em seu estágio mais degradante, o imperialismo, caracterizado em pormenores por Lênin mais tarde, nada mais justo do que uma luta imensa pelos posicionamentos clássicos do marxianismo levados por Rosa. Se ela deu um golpe fundamental no coração do reformismo de Bernstein, Lênin ajudou a dar a finalização à obra de arte, invocando a necessidade de derrotar o economicismo – lutar por pautas que envolvessem a vida política do trabalhador. Ir mais a fundo significa ver que quebrar os limites das lutas restritas, sem uma estratégia socialista definida, é algo que se interliga com o problema organizativo da classe trabalhadora. Lênin sugere a transformação das lutas espontâneas em organização da vanguarda para a classe trabalhadora.
Nossa hipótese, baseada na experiência final da II Internacional, é de que a luta espontânea dada por si só é inevitavelmente inimiga do esclarecimento político da classe. Foi graças ao chamado espontaneísmo nas massas que Bernstein ganhou posições dentro do Partido Social-Democrata Alemão. As próximas manifestações precisam de atenção. É preciso ver cada particularidade. A bandeira da reforma keynesiana continuará sendo o recalque das velhas lutas contra o bolchevismo. Se a direita representa um perigo de fora, o economicismo, isto é, a renúncia da perspectiva socialista, acerta em cheio o movimento por dentro. Para erradicar os males do capitalismo está na ordem do dia a construção do socialismo do século XXI, com a apropriação do capital através dos métodos do povo trabalhador fundados no marxianismo.
terça-feira, 28 de março de 2023
A FAMÍLIA NO CONCEITO DE ENGELS
Na época da barbárie, descobrem a cerâmica. A coleta era feita pelos homens. As hortas ficavam a cargo das mulheres. O cultivo das plantas chegou graças ao invento do arado. O que produziam, que para nós parece pouco, para eles, na barbárie, era muito. Foi na barbárie que se apoderaram de quase todos os cereais e já domesticavam os animais. A barbárie foi marcada pelo consumo de carne e leite, o que serviu para posteriores evoluções qualitativas, como o desenvolvimento do cérebro na Europa. De uma produção individual, feita para alimentar apenas a si mesmo, a organização do trabalho se efetua de modo a que possam alimentar povos inteiros. A agricultura, somada ao ferro para pás, deixaram a atividade produtiva mais intensa.
Hoje em dia temos por conceito a família juntada, pai, mãe, filho, filha, irmão e irmã. Sair deste molde é considerado errado. Mas, no início, havia designações diferentes das atuais. Quanto menos separados em termos de consagüineidade, mais os casais foram ficando raros, por uma questão de seleção natural. A história nos mostra que, ao longo das eras, a poligamia e a poliandria foram se transformando em monogamia por questões de ordem de acumulação. A organização familiar foi mudando.
No entanto, como se vê ao se desenvolver mais o estudo, não há relação entre desenvolvimento da inteligência e formas de relações sexuais. Ou seja, é apenas uma questão de necessidade. A sociedade animal é oposta à humana nos seus primórdios. O macho era que mandava mais. Nos primórdios da sociedade humana, os machos tinham que ser recíprocos para formar grupos mais amplos e duradouros, que permitissem a transformação de animal em pessoa.
As práticas sexuais desaprovadas hoje em dia, como o incesto, foram desaparecendo naturalmente, por vontade própria. Também as relações entre pessoas de diferentes gerações desaparecem.
Existiram quatro tipos de famílias. O primeiro tipo de família, ainda muito primitiva, é composto por grupos conjugais que se separam por gerações, avôs e avós, pais e mães, irmãos e irmãs. Esse tipo de família desapareceu, não restando nem entre as tribos atuais, mas a reconhecemos devido a registros. Na família punaluana, a segunda, excluem-se os casais entre irmãos e primos. Criam-se núcleos sanguíneos exogâmicos para evitar que estes casem entre si e as mulheres começam a criar as crianças conjuntamente, muito embora distinguissem seus próprios filhos uns dos outros.
Segundo Engels, essa é a primeira forma familiar cuja liderança pertence à mulher tanto no estado selvagem quanto na barbárie. Antes não havia liderança nenhuma. Existem variantes, formas mais primitivas de acasalamento, mas o que é interessante é ver como a mulher não inaugurou nenhuma forma de exploração familiar, nem de classes. A partir desta família, a punaluana, surgem as gens, para que se consiga barrar o entrelaçamento sanguíneo das novas gerações.
O terceiro tipo de família é a pré-monogâmica, onde o homem escolheria uma mulher principal, a qual o escolhe como marido favorito. Exceto nestes lugares onde o homem encontra condições para limitar a mulher, na pré-monogamia ainda é a vontade da mulher que prevalece. Proíbe-se o casamento entre parentes, e, devido o crescimento de irmãos e irmãs, os casais iam se fixando. Os casamentos em grupo ficavam excluídos e as mentes e corpos dos filhos dos casais pré-monogâmicos se fortalecem por seleção natural, dando mais força às respectivas tribos. Esses rituais de casamento às vezes eram feitos entre pessoas que nem se conheciam, como na América, onde só os pais eram consultados. Isso significa que a família pré-monogâmica não é ainda uma forma de opressão exclusiva sobre a mulher, mas que tem a ver com a opressiva condição pré-histórica sobre ambos os sexos. Engels diz: “pouco tem a ver a monogamia com o amor sexual individual, na hodierna acepção da palavra.”
Com relação à condição da mulher, Engels diz ainda: “Uma das ideias mais absurdas transmitidas pela filosofia do século XVIII é a de que, nos inícios da sociedade, a mulher teria sido escrava do homem. Entre todos os selvagens e em todas as tribos que se encontram nas fases inferior, média, e até em parte na superior da barbárie, a mulher não só é livre, mas também muito considerada.” Já o homem, se fosse preguiçoso ou inábil, era incomodado pela coletividade até mudar de atitude ou retirar-se. A economia doméstica era ainda a principal atividade. Ainda nessa época, havia casos em que as mulheres praticavam amor livre ao seu desejo até ser autorizada a casar. Este é o processo contrário ao do feudalismo, que muitas vezes exigia que a mulher desposada passasse sua primeira noite com o senhor feudal. Mas havia casos em que se dava a prostituição da mulher, e essa desejava casar-se para ter sua emancipação.
Uma vez tendo-se estabelecido a monogamia, a mulher livre é malvista. Se bem a mulher grega é mais respeitada do que na civilização, em Atenas a maioria das mulheres que obtinham respeito era por causa da prostituição (diferente das espartanas, que eram muito consideradas). Isso, para Engels, “constitui a mais severa condenação à família ateniense”. Isso também embrutecia o homem e a mulher, impedindo-lhes de praticar jogos amorosos.
Diferente das outras formas de família, a monogamia surge para oprimir a mulher. Não é a última forma de casamento concebível. Mais adiante, Engels afirma que na sociedade comunista, a provável forma de família venha a ser a monogamia, porém, real para ambos os lados, sem traições. O escritor chama atenção para o “heterismo”, relações extra-conjungais que ocorrem junto à monogamia. Em outro trecho, ele afirma que é possível que venham a existir formas diferentes de relacionamentos, porém, não como obrigação, senão como opção das gerações que venham a existir.
As mulheres, juntando-se, foram conquistando alguns direitos fundamentais, como melhores salários e condições de trabalho, o divórcio, assim como o direito ao sufrágio. Porém, a burguesia insiste em desorganizar as mulheres, tentando impedir que lutem.
Com a família patriarcal, a administração do lar perdeu seu caráter público. “A mulher se converteu na primeira criada e foi afastada da participação na produção social.” A república democrática afirma esse caráter do papel da mulher.
“A monogamia nasceu da concentração de grandes riqueza nas mesmas mãos — as de um homem — e do desejo de transmitir essas riquezas, por herança, aos filhos deste homem, excluídos os filhos de qualquer outro.” Já com o comunismo, o que se espera é o fim da herança e do acúmulo capitalista.
Nosso amor sexual difere do simples desejo, o amor sexual individual exige tempo e intensidade, algo que não temos no capitalismo. Daí, Engels conclui que depois da revolução poderemos levá-lo adiante da forma mais verdadeira possível.
Para Engels, “a igualdade alcançada pela mulher, segundo mostra toda a experiência anterior, influirá muito mais no sentido de tornar os homens monógamos do que no sentido de as mulheres aderirem à poliandria”.
Mas quanto à igualdade completa entre as mulheres e os homens, Engels diz: “Isso se verá quando uma nova geração tenha crescido: uma geração de homens que nunca se tenham encontrado em situação de comprar, à custa de dinheiro, nem com a ajuda de qualquer outra força social, a conquista de uma mulher; e uma geração de mulheres que nunca se tenham visto em situação de se entregar a um homem em virtude de outras considerações que não as de um amor real, nem de se recusar a seus amados com receio das consequências econômicas que isso lhes pudesse trazer.” No dia em que a família desaparecer, várias coisas boas serão legadas por ela. As virtudes da família ficarão no seio da humanidade para sempre.
A CHINA E SEU ESTADO
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