terça-feira, 28 de março de 2023

A FAMÍLIA NO CONCEITO DE ENGELS

O ser humano foi o único que conseguiu ter domínio quase absoluto sobre a produção de alimentos. A sua evolução para o estado selvagem (primeiro passo após o animalismo) foi o primeiro passo para uma ordem social. Mulher e homem se encontram neste estado e conseguem achar lugares mais vantajosos para protegerem-­se na natureza. Já na fase média do estado selvagem, sabiam assar peixes no fogo. Para defesa, desenvolveram instrumentos de pedra. Aprendendo a distinguir o ambiente ao seu redor, a partir daí, na fase superior do estado selvagem, foram formando residência fixa e os homens tomavam machados para derrubar árvores e constuir pirogas com um tronco só, o que favorecia a pescaria; por fim, descobrem a arma decisiva para a época: o arco-­e-­flecha. Diferente da arma de fogo, que não exige força para utilizá­-la, o arco-e-flecha exigem força e preparo. Com machados de pedra polida aproveitam­-se das cascas das árvores para a fabricação desta arma.

Na época da barbárie, descobrem a cerâmica. A coleta era feita pelos homens. As hortas ficavam a cargo das mulheres. O cultivo das plantas chegou graças ao invento do arado. O que produziam, que para nós parece pouco, para eles, na barbárie, era muito. Foi na barbárie que se apoderaram de quase todos os cereais e já domesticavam os animais. A barbárie foi marcada pelo consumo de carne e leite, o que serviu para posteriores evoluções qualitativas, como o desenvolvimento do cérebro na Europa. De uma produção individual, feita para alimentar apenas a si mesmo, a organização do trabalho se efetua de modo a que possam alimentar povos inteiros. A agricultura, somada ao ferro para pás, deixaram a atividade produtiva mais intensa.

Hoje em dia temos por conceito a família juntada, pai, mãe, filho, filha, irmão e irmã. Sair deste molde é considerado errado. Mas, no início, havia designações diferentes das atuais. Quanto menos separados em termos de consagüineidade, mais os casais foram ficando raros, por uma questão de seleção natural. A história nos mostra que, ao longo das eras, a poligamia e a poliandria foram se transformando em monogamia por questões de ordem de acumulação. A organização familiar foi mudando.

No entanto, como se vê ao se desenvolver mais o estudo, não há relação entre desenvolvimento da inteligência e formas de relações sexuais. Ou seja, é apenas uma questão de necessidade. A sociedade animal é oposta à humana nos seus primórdios. O macho era que mandava mais. Nos primórdios da sociedade humana, os machos tinham que ser recíprocos para formar grupos mais amplos e duradouros, que permitissem a transformação de animal em pessoa.

As práticas sexuais desaprovadas hoje em dia, como o incesto, foram desaparecendo naturalmente, por vontade própria. Também as relações entre pessoas de diferentes gerações desaparecem.

Existiram quatro tipos de famílias. O primeiro tipo de família, ainda muito primitiva, é composto por grupos conjugais que se separam por gerações, avôs e avós, pais e mães, irmãos e irmãs. Esse tipo de família desapareceu, não restando nem entre as tribos atuais, mas a reconhecemos devido a registros. Na família punaluana, a segunda, excluem­-se os casais entre irmãos e primos. Criam-­se núcleos sanguíneos exogâmicos para evitar que estes casem entre si e as mulheres começam a criar as crianças conjuntamente, muito embora distinguissem seus próprios filhos uns dos outros.

Segundo Engels, essa é a primeira forma familiar cuja liderança pertence à mulher tanto no estado selvagem quanto na barbárie. Antes não havia liderança nenhuma. Existem variantes, formas mais primitivas de acasalamento, mas o que é interessante é ver como a mulher não inaugurou nenhuma forma de exploração familiar, nem de classes. A partir desta família, a punaluana, surgem as gens, para que se consiga barrar o entrelaçamento sanguíneo das novas gerações.

O terceiro tipo de família é a pré­-monogâmica, onde o homem escolheria uma mulher principal, a qual o escolhe como marido favorito. Exceto nestes lugares onde o homem encontra condições para limitar a mulher, na pré­-monogamia ainda é a vontade da mulher que prevalece. Proíbe­-se o casamento entre parentes, e, devido o crescimento de irmãos e irmãs, os casais iam se fixando. Os casamentos em grupo ficavam excluídos e as mentes e corpos dos filhos dos casais pré­-monogâmicos se fortalecem por seleção natural, dando mais força às respectivas tribos. Esses rituais de casamento às vezes eram feitos entre pessoas que nem se conheciam, como na América, onde só os pais eram consultados. Isso significa que a família pré­-monogâmica não é ainda uma forma de opressão exclusiva sobre a mulher, mas que tem a ver com a opressiva condição pré­-histórica sobre ambos os sexos. Engels diz: “pouco tem a ver a monogamia com o amor sexual individual, na hodierna acepção da palavra.”

Com relação à condição da mulher, Engels diz ainda: “Uma das ideias mais absurdas transmitidas pela filosofia do século XVIII é a de que, nos inícios da sociedade, a mulher teria sido escrava do homem. Entre todos os selvagens e em todas as tribos que se encontram nas fases inferior, média, e até em parte na superior da barbárie, a mulher não só é livre, mas também muito considerada.” Já o homem, se fosse preguiçoso ou inábil, era incomodado pela coletividade até mudar de atitude ou retirar-se. A economia doméstica era ainda a principal atividade. Ainda nessa época, havia casos em que as mulheres praticavam amor livre ao seu desejo até ser autorizada a casar. Este é o processo contrário ao do feudalismo, que muitas vezes exigia que a mulher desposada passasse sua primeira noite com o senhor feudal. Mas havia casos em que se dava a prostituição da mulher, e essa desejava casar­-se para ter sua emancipação.

Uma vez tendo­-se estabelecido a monogamia, a mulher livre é malvista. Se bem a mulher grega é mais respeitada do que na civilização, em Atenas a maioria das mulheres que obtinham respeito era por causa da prostituição (diferente das espartanas, que eram muito consideradas). Isso, para Engels, “constitui a mais severa condenação à família ateniense”. Isso também embrutecia o homem e a mulher, impedindo-­lhes de praticar jogos amorosos.

Diferente das outras formas de família, a monogamia surge para oprimir a mulher. Não é a última forma de casamento concebível. Mais adiante, Engels afirma que na sociedade comunista, a provável forma de família venha a ser a monogamia, porém, real para ambos os lados, sem traições. O escritor chama atenção para o “heterismo”, relações extra-conjungais que ocorrem junto à monogamia. Em outro trecho, ele afirma que é possível que venham a existir formas diferentes de relacionamentos, porém, não como obrigação, senão como opção das gerações que venham a existir.

As mulheres, juntando­-se, foram conquistando alguns direitos fundamentais, como melhores salários e condições de trabalho, o divórcio, assim como o direito ao sufrágio. Porém, a burguesia insiste em desorganizar as mulheres, tentando impedir que lutem.

Com a família patriarcal, a administração do lar perdeu seu caráter público. “A mulher se converteu na primeira criada e foi afastada da participação na produção social.” A república democrática afirma esse caráter do papel da mulher.

“A monogamia nasceu da concentração de grandes riqueza nas mesmas mãos — as de um homem — e do desejo de transmitir essas riquezas, por herança, aos filhos deste homem, excluídos os filhos de qualquer outro.” Já com o comunismo, o que se espera é o fim da herança e do acúmulo capitalista.

Nosso amor sexual difere do simples desejo, o amor sexual individual exige tempo e intensidade, algo que não temos no capitalismo. Daí, Engels conclui que depois da revolução poderemos levá-­lo adiante da forma mais verdadeira possível.

Para Engels, “a igualdade alcançada pela mulher, segundo mostra toda a experiência anterior, influirá muito mais no sentido de tornar os homens monógamos do que no sentido de as mulheres aderirem à poliandria”.

Mas quanto à igualdade completa entre as mulheres e os homens, Engels diz: “Isso se verá quando uma nova geração tenha crescido: uma geração de homens que nunca se tenham encontrado em situação de comprar, à custa de dinheiro, nem com a ajuda de qualquer outra força social, a conquista de uma mulher; e uma geração de mulheres que nunca se tenham visto em situação de se entregar a um homem em virtude de outras considerações que não as de um amor real, nem de se recusar a seus amados com receio das consequências econômicas que isso lhes pudesse trazer.” No dia em que a família desaparecer, várias coisas boas serão legadas por ela. As virtudes da família ficarão no seio da humanidade para sempre.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

A CHINA E SEU ESTADO

O assunto “revolução” mereceu e merece plena atenção dos intelectuais, visto que é inerente à realidade de qualquer sociedade onde existam d...