As questões das lutas de classe internacionais são tão importantes academicamente quanto para a sociedade, mas certamente a preponderância maior se encontra no âmbito das lutas sociais nos sindicatos e outras organizações populares – os soviets. Por mais que tenha um teor logicamente acadêmico, todo o discurso pode se tornar inócuo se fica restrito ao âmbito da academia. Os marxistas acadêmicos correm sérios riscos de falhar miseravelmente se não dão mais atenção à dialética materialista e suas implicações concretas nos movimentos de massas. As questões de que trata o marxianismo ao longo de seu desenvolvimento ultrapassam a realidade das faculdades e bibliotecas.
É verdade que o marxianismo mesmo tem origem na intelectualidade dos grandes proprietários do século XIX, ou seja, entre aqueles privilegiados economicamente para poder encontrar respostas entre os livros e análises econômicas. Mas o grande papel de Karl Marx em sua época foi justamente o sério empenho e dedicação que pôs em traduzir para a classe operária de maneira clara as questões econômicas e políticas que rodeavam a sua época. N'O Capital analisa de forma extremamente minuciosa e cuidadosa (sem falar que de forma didática) os mecanismos de produção dos meios de subsistência da sociedade moderna numa época em que os grandes proprietários perde de todo a sua pretensa neutralidade principalmente no que se trata das análises econômicas. Marx desvenda os motivos das variantes mercantis e começa a sugerir conclusões cada vez mais radicais, que implicariam numa óbvia revolução social e o estabelecimento inevitável de um outro modo produtivo qualitativamente superior ao capitalismo: a planificação econômica e a apropriação do capital da classe dos grandes proprietários.
É preciso ter em mente que no momento em que Marx e Engels, em conjunto, elaboravam seus estudos profundos sobre o sistema social moderno, o capitalismo encontrava um quadro social extremamente contraditório, principalmente com relação à classe trabalhadora. Os movimentos sociais não eram independentes pois não possuíam uma demarcação ideológica e tampouco um projeto político revolucionário.
O grande herói da Revolução Russa, que mais tarde veio a fundar a III Internacional, Lênin lembrava que as ideias jamais caíam do céu. Na verdade, brotavam do chão, e o único solo fértil, por assim dizer, nos primórdios, era entre a inteligentzia dos grandes proprietários, como já foi dito - ou seja, em situações excepcionais que trazem a inteligentzia dos grandes proprietários até a estrutura das amplas massas. No entanto, o sistema capitalista cria as suas próprias condições de destruição e de várias maneiras. De certa forma, pode-se dizer que quanto mais desenvolvidas estas contradições, tanto mais dura fique a vida da classe trabalhadora, maior será o ímpeto revolucionário potencialmente explosivo das massas. Miséria gera revolta.
A razão deste artigo é evidenciar a importância de uma das polêmicas centrais no interior das correntes ditas revolucionárias, que é a importância de um programa revolucionário defendido por um partido internacional comprometido com a emancipação dos trabalhadores. Nosso recorte é bastante específico, trata da falência da II Internacional Comunista e o embate entre reformistas e revolucionários.
Premissas do marxianismo
Parece-nos pertinente, por motivações ideológicas, apoiados numa perspectiva marxianista da História, abordar as premissas fundamentais do marxianismo para que se conheça parte da vida do movimento operário, em uma época em que as lutas de classes tomaram um caráter definitivo para os rumos da sociedade europeia. Trazer este tema para o âmbito social tem grande relevância para uma compreensão parcial da dinâmica política da classe proletária.
A falência da II Internacional está totalmente relacionada com a derrota do proletariado europeu, em países como Alemanha, França, Inglaterra, Áustria e Espanha. A Social-democracia, em 1912, sob liderança de Eduardo Bernstein, era maioria no Parlamento alemão contando com cerca de 110 deputados que representavam 35% do eleitorado, controlando, também, sindicatos, cooperativas, organizações esportivas e culturais. Em contrapartida, Bernstein caracterizava sua política por um programa revisionista.
A Social-democracia alemã foi fundada por Friedrich Engels em 1875, e, logo depois, tornouse o maior partido da II Internacional, originalmente provida de caráter revolucionário. Após a morte de Engels, o SPD (Partido Social-democrata) abriu as portas às políticas reformistas com Bernstein na liderança, chegando a defender que “devia deixar de ser o partido da revolução social, tornando-se o partido da reforma social”. Isto é, o SPD não mais se encontrava de frente com o socialismo.
Dessa forma, é importante traduzir os acontecimentos que levaram à falência da II Internacional para que os trabalhadores do séc. XXI tomem conhecimento das contradições entre dois programas inconciliáveis para a época: reforma e revolução.
A ala oportunista da social-democracia triunfou historicamente e este triunfo é datado nos meados de 1914. Com a 1ª Guerra Mundial (também chamada de 1ª Guerra Imperialista pelos comunistas) transformando o globo em uma fogueira, metamorfoses políticas definitivas aconteceram no interior da II Internacional. Os partidos sociais-democratas em geral e na Alemanha em particular começaram a ceder corpo ao que se conhece como “ecletismo político”. Isso quer dizer que a demarcação teórica do movimento operário afrouxou no âmbito do marxianismo, que tem uma tradição dentro dos seus princípios. A defesa da teoria revolucionária transformou-se, a partir do economicista Eduardo Bernstein, em “dogmatismo” e qualquer tipo de rigor no sentido teórico-prático tomou uma conotação de “ortodoxia” para o proletariado ideologicamente dirigido pela II Internacional. Tanto o oportunismo venceu, que hoje em dia encontramos por todo lado referências teóricas enganosas afirmando que a II Internacional nunca defendeu a revolução socialista.
Para se subtrair à história um conteúdo combativo completamente independente é preciso sair da órbita do revisionismo teórico, o que só se alcança através de um processo dificultoso de achamento dos clássicos do marxianismo, como os próprios Marx e Engels, por exemplo.
Este último foi o responsável pela fundação da social-democracia alemã, um partido que obteve um caráter de vanguarda, mas nunca, até a derradeira reviravolta das concepções economicistas alheias à consciência de vanguarda, abandonou o campo da propaganda política vigorosa sobre os trabalhadores em geral. Um dos cânceres da social-democracia herdados do início do século passado é a recusa incondicional de levar um debate ao campo do proletariado. Para aqueles que utilizam-se do revisionismo teórico, nada menos oportuno do que transformar o marxianismo em material de uso próprio da classe trabalhadora. Constitui-se uma espécie de burocracia em torno das ideias e estas se tornam propriedade particular da intelectualidade (exatamente o contrário do que acontece com o surgimento da teoria revolucionária). Se ultrapassarmos estes limites e irmos atrás de leituras como Vladimir Lênin, Rosa Luxemburgo e Georgi Dimitrov, descobriremos que quanto mais evolui, o marxianismo torna-se cada vez mais palpável para as amplas massas. As transformações de toda espécie no espaço concreto de atuação do movimento operário são compatíveis com o socialismo real, uma vez que este é flexível. O “marxianismo” submetido ao revisionismo submete a teoria a uma reflexão inócua e que vai em desencontro com as necessidades práticas. Serve apenas aos interesses de uma burocracia partidária ou sindical preocupada com a conciliação de classes e consequentes benefícios pessoais.
Rosa Luxemburgo escreveu e publicou em 1900 um livro teórico de imensa importância para a vanguarda internacional. Filiada ao Partido Social-Democrata Alemão, Luxemburgo subverteu-se à imposição da infâmia reformista que começava a desagregar o partido ideologicamente. Contra a política de Eduardo Bernstein até as últimas consequências, copilou uma série de posicionamentos de vanguarda em sua brochura “Reforma ou Revolução?”. Seus argumentos centrais assentavam-se sobre a herança das principais obras de Karl Marx, como o próprio “O Capital”. Através deste, erguia a bandeira da transformação radical da sociedade através de uma revolução enquanto Bernstein hasteava em oposição uma coleção de ideias pré-históricas de "evolução gradual e lenta" rumo a um Estado de bem-estar social capitalista. Diferente das reformas de base de hoje que são direcionadas para o sentido da revolução e da liberação humana. E Bernstein dizia com todas as letras que “o desenvolvimento capitalista não conduz à sua própria ruína”, sendo, por isso, capaz de superar-se e reinventar-se a cada vez – com cada vez mais argumentos contrários ao socialismo. Coroava a sua tese com o postulado de que o socialismo podia ser alcançado sem que se travasse uma luta objetiva por ele. Noutros termos, propunha uma luta mínima nos limites territoriais do sistema capitalista – que se transformaria naturalmente em socialismo – enquanto Rosa propunha o esclarecimento dos trabalhadores sobre as questões do poder revolucionário e sobre o parasitismo do sistema. Tomando em conta que nesta época o capitalismo entrava em seu estágio mais degradante, o imperialismo, caracterizado em pormenores por Lênin mais tarde, nada mais justo do que uma luta imensa pelos posicionamentos clássicos do marxianismo levados por Rosa. Se ela deu um golpe fundamental no coração do reformismo de Bernstein, Lênin ajudou a dar a finalização à obra de arte, invocando a necessidade de derrotar o economicismo – lutar por pautas que envolvessem a vida política do trabalhador. Ir mais a fundo significa ver que quebrar os limites das lutas restritas, sem uma estratégia socialista definida, é algo que se interliga com o problema organizativo da classe trabalhadora. Lênin sugere a transformação das lutas espontâneas em organização da vanguarda para a classe trabalhadora.
Nossa hipótese, baseada na experiência final da II Internacional, é de que a luta espontânea dada por si só é inevitavelmente inimiga do esclarecimento político da classe. Foi graças ao chamado espontaneísmo nas massas que Bernstein ganhou posições dentro do Partido Social-Democrata Alemão. As próximas manifestações precisam de atenção. É preciso ver cada particularidade. A bandeira da reforma keynesiana continuará sendo o recalque das velhas lutas contra o bolchevismo. Se a direita representa um perigo de fora, o economicismo, isto é, a renúncia da perspectiva socialista, acerta em cheio o movimento por dentro. Para erradicar os males do capitalismo está na ordem do dia a construção do socialismo do século XXI, com a apropriação do capital através dos métodos do povo trabalhador fundados no marxianismo.
quinta-feira, 4 de maio de 2023
A FALÊNCIA DA II INTERNACIONAL COMUNISTA
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